O Rock Nacional não começou nos anos 1980! Neste artigo queremos investigar como era o nosso rock brasileiro entre 1955 e 1982, listando grandes nomes e discos clássicos. Descubra a rica história do rock brasileiro antes dos anos 80. Explore clássicos de Raul Seixas, Rita Lee, Os Mutantes e a revolução dos discos de vinil.
Introdução
Mergulhe na vibrante era do rock nacional antes dos anos 80, uma época de revolução musical que moldou a cultura dos discos de vinil e da audiofilia no Brasil. Descubra os ícones como Raul Seixas, Rita Lee e Os Mutantes, cujas obras transcendem gerações, definindo o legado do verdadeiro rock brasileiro.
O Rock Nacional não Surgiu nos Anos 80
O Rock Nacional não começou nos anos 1980! Aliás, foi na década de 1970 o período de entrada do rock com mais força no Brasil, se consolidando como parte integrante da fértil cena musical brasileira, muito em função das misturas executadas pelos mais variados nomes.
Aos ainda duvidosos desta minha premissa lembremos que as cortinas daquela década se abriram para nomes como Rita Lee e Raul Seixas, pra ficarmos em apenas dois dos mais lembrados!
De antemão reforço que em nenhum momento quero enaltecer as bandas setentistas, ou os movimentos sessentistas, em detrimento aos nomes que fizeram sucesso na era do BRock.
Meu objetivo é apenas fazer uma jornada sem aprofundar em análises de álbuns e contextos históricos naquilo que considero ser o melhor que tivemos em termos de rock n’ roll, e que ficou escondidos pelas cortinas da explosão que ocorreu à partir de 1982, com o lançamento do primeiro álbum da Blitz.
Ou seja, prepare-se para uma verdadeira massa heterogênea de boas músicas e misturas de estilos.
Porém, não se engane pelo preconceito, assumindo que esta variedade estílica descaracteriza o rock, afinal, no rock internacional tal mistura e variação é muito maior e menos questionada.
Vamos começar nossa viagem bem antes dos Mutantes e ir até 1982, marcado como “ano zero” do que sempre é referenciado como rock nacional, aquele impregnado do espírito pos-punk ou do estilo new wave.
Ofertas de Discos do Rock Nacional
Abaixo, estão os links (em azul) de ofertas de discos clássicos deste período do rock nacional pré-anos 80:
- Rita Lee – Fruto Proibido (1975) [Disco de Vinil]
- Moto Perpétuo – Moto Perpétuo [CD]
- Mutantes – Ao Vivo [Disco de Vinil]
- Secos Molhados – Secos Molhados [Disco de Vinil]
- Novos Baianos – Acabou Chorare [Disco de Vinil]
- Ronnie Von – A Misteriosa Luta Do Reino De Parasempre Contra O Império Do Nuncamais [Disco de Vinil]
- Casa Das Máquinas - Lar De Maravilhas [CD]
Quando Começou o Rock Nacional?
Primeiro, vamos voltar aos anos 50. Onde tudo começou, não só para os gringos. Em 1956, a febre decorrente da exibição do filme “Ao Balanço das Horas”, originalmente intitulado “Rock Around The Clock” e que trazia a clássica canção de Bill Halley na trilha sonora, fez o compacto de “Ronda das Horas”, um cover daquela canção americana, um enorme sucesso.
Podemos fixar aqui, nesta versão entoada por Nora Ney, lançada em novembro de 1955, como o marco zero do rock nacional? Muito provavelmente sim, mas junto com ela vinha nomes como Cauby Peixoto, Celly Campelo, Sérgio Murillo, Wilson Miranda, Ronnie Cord e Demétrius.
Estes eram os desbravadores do rock nacional. Não demoraria para que as primeiras bandas de rock nacional surgissem neste período, em sua maioria com nomes em inglês: The Jordans (uma das melhores seguindo o estilo de The Shadows e The Ventures), The Clevers, Beatniks, Os Canibais e The Pop’s são exemplos de formações pioneiras de um estilo que engatinhava a níveis mundiais.
Mais à frente, inspirados na forte cena pop britânica, assistimos ao advento da Jovem Guarda, um movimento musical capitaneado por Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, mas que ainda foi o berçário de grandes nomes como Renato e seus Blue Caps, Os Incríveis, Os Vips, The Golden Boys e, indiretamente (como explicaremos mais tarde) Ronnie Von.
Isso posto, à partir daqui, vou tomar a liberdade de marcar o definitivo estabelecimento da personalidade do nosso rock! Ele nasceu na década anterior, mas só foi criar uma identidade própria no fim dos anos 1960 quando foi fundido à música brasileira pelo que ficou conhecido como Tropicalismo.
Tropicalismo = Beatles + M.P.B.
Ao mesmo tempo que a Jovem Guarda emulava a face mais pop e acessível do rock britânico (isso iria até 1969, aproximadamente), um outro grupo de músicos brasileiros buscava inspiração no início da psicodelia britânica: os tropicalistas. A Jovem Guarda buscava inspiração na primeira fase dos Beatles, quando o quarteto de Liverpool eram os reis do iê-iê-iê, enquanto os músicos ligados à Tropicália bebiam na fonte de discos como “Revolver” e “Sgt Peppers…”, trazendo toda aquela vanguarda lisérgica para ser misturada à musicalidade brasileira.
Liderando o movimento estavam nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Tom Zé, o maestro Rogério Duprat, a cantora Nara Leão e os letristas José Carlos Capinan e Torquato Neto. E sustentando toda aquela revolução estava uma banda que seria, não só a responsável por dar início à era de ouro do rock nacional, mas a maior de todas que surgiram no país: Os Mutantes.
Uma lembrança importante se faz quanto ao guitarrista que surgiu nesta época, sendo pouco lembrado, mas de importância ímpar: Lanny Gordin. Uma espécie de Jimi Hendrix brasileiro, Lanny Gordin esteve presente em discos da Jovem Guarda e da Tropicália, além de discos importantíssimos da música brasileira como o “Brazilian Octopuss” (1970) ao lado de Hermeto Pascoal e Heraldo do Monte, e no primeiro álbum solo de Rita Lee, “Build Up” (1970).
Os Mutantes e o Início da Era de Ouro do Rock Nacional
Os Mutantes foram responsáveis por formatar a essência do rock tupiniquim, que misturava jazz, rock, MPB, música caipira e música clássica. O destaque maior ia para suas letras, tão inventivas, surrealistas e ousadas quanto as partes instrumentais. Em seu nascedouro eram alicerçados na trinca formada pelos irmãos Baptista, Arnaldo e Sérgio, aliados a Rita Lee. Esta primeira formação registrou, entre 1968 e 1972, cinco álbuns dignos de reverência e clássicos absolutos do rock nacional.
Destacam-se nesta primeira etapa do conjunto os álbuns “Os Mutantes” (1968) e “A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado” (1970), que trazem pérolas do rock nacional como “Panis et circenses”, “Baby”, “Ave Gengis Khan” e “Ando meio desligado”, para citar apenas algumas.
Após a saída de Rita Lee, em 1972, os irmãos Baptista se uniram a Liminha e Dinho para praticar um rock progressivo nos moldes ingleses e sei de quem considera esta a fase mais significativa da banda, principalmente por causa do cultuado álbum “Tudo Foi Feito Pelo Sol” (1974), uma das maiores pérolas que o rock nacional produziu em sua maltratada existência.
Em 1978, após diversas formações e desentendimentos que culminaram com a saída de Arnaldo, os Mutantes encerraram as atividades com apenas Sérgio Dias da formação original, indo e voltando nas próximas décadas. Inclusive, um dos grandes discos do rock nacional é “Loki” (1974), trabalho solo de Arnaldo Baptista, o primeiro disco solo lançado por ele e encabeçado pela brilhante “Será que Eu Vou Virar Bolor?”, e que apresentaria a Patrulha do Espaço, banda de apoio que acabaria se tornando uma das maiores bandas do rock nacional
A Psicodelia no Rock Nacional Antes dos Anos 80
Com o passar do tempo, apesar da estreita ligação que existia nos primórdios, os nomes da Jovem Guarda começaram a sofrer certo preconceito dos fãs de rock no Brasil. Este estigma perseguiu Ronnie Von (que emplacou os sucessos “A Praça” e “Meu Bem”) por muitos anos, mesmo que ele jogasse mais no time do pessoal da Tropicália, junto com os Mutantes, do que ao lado de Roberto e Erasmo.
Mas o que o credencia a entrar neste grupo seleto da melhor era do rock nacional é a trinca formada pelos álbuns “Ronnie Von” (1968), “A Misteriosa Luta do Reino de Parassempre Contra o Império de Nunca Mais” (1969) e “Minha Máquina Voadora” (1970). Estes três discos da fase psicodélica de Ronnie Von (e ainda estendo a um quarto item, “Ronnie Von nº3”) são essenciais para entender uma parte da psicodelia do rock nacional. Abusando da lisergia comum às bandas estrangeiras da época, Ronnie compôs três pérolas que iam na contra-mão dos companheiros de Jovem Guarda e do que fazia sucesso naquela virada de década.
Hoje, existe um verdadeiro culto em torno deste três álbuns que foram relançados em luxuosas edições em vinil e tem ganhado muitos fãs. Isso nos faz conjecturar que Ronnie Von estava, musicalmente, muito à frente de seu tempo. Além dele e nomes da MPB que enveredaram por um crossover com as diferentes abordagens psicodélicas (como Gilberto Gil, Caetano Veloso, Gal Costa e vários dos compositores malditos), podemos citar outras bandas e artistas que abusaram do rock psicodélico no Brasil.
Ainda devemos citar nomes como The Galaxies (com referências de Love e Yardbirds); The Beggers; Quarteto Nova Era (que emulava a sonoridade do The Mamas and The Papas); Os Brazões (que tem um brilhante álbum auto-intitulado); os gaúchos do Liverpool; os cariocas d’Os Lobos; o Blow Up; Guilherme Lamounier (que mais tarde enveredaria por algo mais pop); o Perfume Azul do Sol; Mar Revolto; e o genial Paulo Bagunça e a Tropa Maldita que misturava Santana, Gilberto Gil, Jorge Ben e Traffic.
Raul Seixas: o rei do rock nacional
Não há como negar. Existe uma mística em torno do nome Raul Seixas, ou Raulzito para os fãs. Baiano, Raul Santos Seixas, começou sua carreira ainda nos anos 60, mas só viria a experimentar o sucesso na década subsequente com o lançamento de grandes obras-primas que fazem parte da discografia básica do rock nacional.
Um ídolo quase metafísico, entoando versos carregados de filosofia excêntrica aos mais conservadores e tachado de satanista por seus opositores que não podiam negar a qualidade de suas canções. Após um fracassado álbum com o grupo Raulzito e Os Panteras e uma breve carreira como produtor musical, Raul Seixas se tornaria o maior nome do rock nacional, com álbuns aclamados por público e crítica. Bons exemplos são os discos que formam a quadra inicial de sua carreira: o espetacular “Krig-ha Bandolo!” (debut solo de 1973), o marco histórico “Gita” (1974), o maduro “Novo Aeon” (1974) e o excepcional “10 Mil Anos Atrás” (1976).
A citação destes quatro álbuns não desmerecem nenhum dos lançamentos que completam sua discografia, mas os discos oitentistas são menos brilhantes que os anteriores. Como produtor, Raul Seixas foi responsável por uma magistral obra da música nacional: o disco “Sessão das Dez”, da Sociedade da Grã Ordem Kavernista, que trazia Sérgio Sampaio, Edy Star, Miriam Batucada, além dele próprio. Um manifesto em formato musical contestando o consumo, o caos urbano e aqueles indivíduos que adentravam o mundo hippie apenas por modismo, esse disco era uma espécie de sátira com os tropicalistas.
A verdade é que toda a poesia entoada por Raul Seixas em canções versadas sobre religião, filosofia e reflexões da vida cotidiana o fizeram um nome mítico, idolatrado e reverenciado como um profeta dos tempos modernos. Após sua morte a legião de fãs só aumentou, alimentando de modo consistente a lenda anárquica que Raul se tornou, sendo esta pequena sessão incapaz de mensurar, pois sua obra merece um estudo aprofundado.
Rita Lee: a Rainha do rock nacional
Após a saída dos Mutantes, Rita Lee prosseguiu com uma brilhante carreira solo, principalmente na primeira fase com a banda de apoio Tutti Frutti, obtendo seu ápice em 1975, com o álbum “Fruto Proibido”, que trazia as canções “Esse Tal de Roque Enrow”, “Agora Só Falta Você” e um clássico máximo do nosso rock, “Ovelha Negra”, com um solo histórico do guitarrista Luis Carlini.
Desde o início de sua carreira solo, com o ótimo “Build Up” (1970), lançado quando ela ainda estava no Mutantes, Rita Lee Jones sempre se mostrou hábil em misturar harmonias e ritmos diferentes, o que a ajudou a cunhar hits que, à partir de 1975, até o final da década de 1990, foram grande sucesso de público. Sua voz delicada e sensual sempre pareceu unir a bossa nova com o rock sobre uma musicalidade que misturava estilos, enquanto ela atritava melodia pop com atitude e rebeldia, mesmo em momentos mais acessíveis como nos clássicos “Lança Perfume”, “Chega Mais” e “Baila Comigo”.
O Rock Progressivo Nacional dos Anos 70
O rock nacional se desenvolvia além dos três acordes desde que os Mutantes chegaram. Os músicos também evoluíam e o destino destes representantes foi o rock progressivo, estilo que crescia muito ao norte de nossas fronteiras e do outro lado do Atlântico. Após a saída de Rita Lee, os Mutantes a cada disco se mostravam mais inseridos na cena progressiva e junto ao Módulo 1000, deram os primeiros passos do Rock Progressivo Brasileiro.
“Não Fale com Paredes”, álbum do Módulo 1000, é um marco para o rock nacional onde a psicodelia e as nuances do som progressivo se misturavam de modo ímpar. Lançado em 1971, esse álbum do Módulo 1000 esperou por dois anos para o fortalecimento do estilo e o nascimento dos co-irmãos “Matança de Porco” (1973, terceiro disco do Som Imaginário, banda montada para acompanhar Milton Nascimento), “A Barca do Sol” (1974, álbum homônimo de uma das melhores bandas da cena) e “Snegs” (1974, do Som Nosso de Cada Dia). Este último álbum um dos mais significativos e importantes representantes do progressivo nacional.
Daí pra frente, o Brasil virou um verdadeiro celeiro de clássicos do rock progressivo. “Lar de Maravilhas” (1975), por exemplo, é uma das maiores jóias do nosso rock e foi lançado pelo histórico grupo Casa das Máquinas, uma das primeiras a trazer mais profissionalismo em termos de equipamento e estrutura para o rock nacional. Outra pepita progressiva desta fase dourada é o álbum “Criaturas da Noite” (1975), d’O Terço.
Todas estas bandas tiveram outros lançamento dignos de nota, mas aqui compilei os principais clássicos desta primeira geração nacional do rock progressivo. Não seria exagero colocar entre elas o Azymuth, apesar de sua música ir além, fundindo samba, jazz, funk, psicodelia e rock progressivo. Inclusive esta foi a primeira banda do rock nacional a ser contratada por um selo norte-americano, o Milestones, fixando suas bases na Terra do Tio Sam.
Eu ainda incluiria o autointitulado álbum do Pholhas, lançado em 1977, como um representante pesado do rock progressivo nacional e sem todas aquelas baladas melosas cantadas em inglês. Por fim, seria injusto não citar grupos como o Moto Perpétuo, que contava com Guilherme Arantes e membros d’O Bando, banda psicodélica sessentista; o Terreno Baldio, com seu auto-intitulado clássico de 1975; o Recordando o Vale das Maçãs; e a banda mais famosa e menos ouvida de todos os tempos no Brasil: o Vimana.
O Vimana é uma lenda dentro do rock nacional, pois contava com Lulu Santos, Lobão e Ritchie, músicos que fariam história na década de 1980, aliados a Luiz Paulo Simas e Candinho, dois ex-integrantes do Módulo 1000.Dentre as raridades do rock progressivo nacional, podemos citar o trio folk/fusion/prog Paulo, Cláudio e Maurício (e que tem ligações com o Boca Livre), o Matuskela, e o Tellah (com seu genial “Continente Perdido” [1980]).
Depois de 1982, cabe mencionar o Sagrado Coração da Terra, que ainda nos deu ao menos um clássico do rock progressivo, intitulado “Flecha”; o Bacamarte; o Quantum e o Violeta de Outono, que se dividia entro progressivo/psicodélico e o pos-punk, além de ser uma das melhores bandas que o país já viu. Mais recentemente, bandas como Cartoon, Caravela Escarlate, Arcpelago e Apocalypse merecem nota apesar de já estarem fora do período em discussão neste artigo.
A musica brasileira se funde de vez com o rock.
Os anos 1960 foram os responsáveis por unir as mais diversas vertentes da música brasileira com o rock, indo além da Tropicália. Um dos grandes responsáveis por tal fusão foi o grupo Secos e Molhados, que trazia um vocalista performático, no melhor estilo Peter Gabriel, e dono de uma brasilidade latente em suas canções. Ney Matogrosso, o tal vocalista, foi um dos primeiros no Brasil a investir em um visual andrógino e a banda faz uma mescla tão consistente de MPB, poesia e rock, que seu álbum de estréia vendeu mais de um milhão de cópias no ano de seu lançamento, 1973.
Clássicos como “Sangue Latino”, “O Vira”, “Rosa de Hiroshima” e “Flores Astrais” representam bem os dois álbuns lançados pelo grupo, mas não resumem a beleza destas duas pérolas do rock nacional. O sucesso foi tão grande que surgiu uma leva de bandas tentando surfar a onda como Assim Assado, Achados e Perdidos, Ponto e Vírgula e o melhor deles, o Pão com Manteiga (uma excelente banda que investia numa musicalidade prog/psicodélica da MPB).
De Minas Gerais, a dupla Lô Borges e Milton Nascimento encabeçavam uma mistura perfeita de MPB e Beatles em seu álbum “Clube da Esquina”, uma das maiores obras-primas da música brasileira.
Creio que o lugar que mais contribuiu com a miscigenação de sonoridades no rock nacional foi a região nordestina, mais especificamente a cena de Pernambuco. Os primeiros nomes que vêm à mente neste quesito são o Satwa (de Lula Côrtes e com álbum lançado pelo lendário selo Rozenblit), o Aratanha Azul e o Quinteto Violado que dosava pop rock com sonoridades múltiplas da MPB regionalista.
Não menos pioneiros, Alceu Valença e Geraldo Azevedo também investiam na mistura lá pelos idos de 1972, no baricentro do regionalismo, folk e progressivo. A importância de Alceu Valença se dá por ter, didaticamente, mostrado que é possível mesclar o instrumental nordestino com letras ressaltando as tradições locais, mas de um modo carregado de rebeldia com os riffs roqueiros que eram encaixados em suas canções.
Como expoentes desta tese estão os álbuns “Molhado de Suor” (1974), “Vivo” (1976) e “Espelho Cristalino” (1977) que abririam as portas para grupos como o Ave Sangria e Flaviola e o Bando do Sol. Inclusive, nessa época, Alceu Valença e o Ave Sangria dividiam um dos grandes guitarristas do rock nacional: Paulo Rafael (que ainda gravou um disco precioso com Zé da Flauta, intitulado “Caruá” [1980]).
Outro mestre das seis cordas oriundo do nordeste seria o gênio Robertinho de Recife, que além de gravar várias das pérolas desta turma, ainda conseguiu gravar um disco solo em 1977, intitulado “Jardim de Infância”, que lembra uma versão agreste do Santana (no sentido mais poético da referência).
Mas o ápice do rock entremeado de música nordestina se deu com Zé Ramalho. Sim, Zé Ramalho fazia rock, mais puxado para o folk, como um Bob Dylan nascido no sertão nordestino. A sonoridade soturna e apocalíptica de algumas de suas canções soam muito pesadas, mesmo sendo compostas e tocadas em violões. É obrigatório ouvir discos como “Avohai” (1978) e “Paêbirú”, gravado em parceria com Lula Côrtes, onde desfilam uma verdadeira viagem psicodélica nordestina, com guitarras distorcidas ladeadas por música regionalista.
Pode incluir na lista Fágner, Ednardo, Sergio Sampaio, Lula Côrtes e Belchior como nomes que intersectavam alguma forma de rock com psicodelia e regionalismos. E por falar em música nordestina, não podemos nos esquecer de dois grandes nomes do rock nacional: A Cor do Som e os Novos Baianos. Intimamente ligados (já que A Cor do Som foi o grupo que acompanhou Moraes Moreira após sua saída dos Novos Baianos, além de ser o conjunto referenciado, com algumas alterações de formação, no encarte do álbum “Acabou Chorare” como banda de apoio para o grupo), as duas bandas quebraram paradigmas dentro da música nacional.
Os Novos Baianos chacoalharam o cenário com seu antológico “Acabou Chorare”, um álbum sem par na música brasileira, que foi composto por um time de craques como Pepeu Gomes (outro gênio da guitarra brasileira), Baby Consuelo, Paulinho Boca de Cantor e Moraes Moreira. “Brasil Pandeiro”, “Preta Pretinha” e “Acabou Chorare” viraram hinos do cancioneiro nacional, além de trazer todo um regionalismo ao rock com bastante classe e certo requinte hippie, se é que isso é possível.
Já o grupo A Cor do Som veio com uma proposta diferente da usual. Se valendo de canções instrumentais, apresentaram uma sonoridade carregada de guitarras com forte tempero baiano (acredito que os primeiros grupos baianos de axé roubaram um pouco da sonoridade da banda). Seus álbuns “Frutificar” e o primeiro auto-intitulado são marcos do rock nacional por sua originalidade, o que os rendeu um convite para tocar no renomado Montreaux Jazz Festival.
Por fim quero citar um dos discos mais legais desta mistura de rock com regionalismos da música brasileira: “Sou Filho Desse Chão” (1976), de Eduardo Araújo e Silvinha, nomes ligados a, na época extinta, Jovem Guarda. Vale muito a pena conferir!
Rock Rural: As guitarras se encaminham ao interior.
Se existe uma forma musical brasileira por essência, esta é o que chamamos de música caipira. E a viola dos pioneiros da música sertaneja foi adicionada ao rock nacional assim como os americanos fizeram com sua música country ao criar o folk rock e o country rock. Tanto que não é difícil estabelecer similaridades entre algumas composições de Almir Sater e Rento Teixeira com alguns nomes marcantes do country/folk acima da linha do Equador, como Jim Croce, James Taylor ou John Denver.
Aqui, ao sul da Linha do Equador, nossa mistura foi denominada de rock rural e o termo ainda englobava qualquer modo de amalgamar os estilos de música caipira com o rock e o folk americano do anos 60 (leia-se Bob Dylan, Leonard Cohen e Joan Baez). O grupo Almondegas, que trazia a dupla Kleiton & Kledir, o trio de Ruy Maurity, o já citado Renato Teixeira, o trio carioca Karma, e Sá Rodrix e Gurabira foram queles que começaram a implementar suas músicas com fortes temperos musicais provenientes do interior do Brasil.
O estilo começou a ganhar forma com a canção “Casa no Campo” (que batizaria o estilo com os versos “Eu quero uma casa no campo, onde eu possa compor muitos rocks rurais”), de Zé Rodrix e Tavito. Outros grandes nomes da cena mineira e descendentes diretos do grupo mineiro Clube da Esquina, eram Tavito (que compôs uma das mais belas canções do estilo, chamada “Rua Ramalhete”), Lô Borges (com um antológico disco auto-intitulado de 1972) e Beto Guedes.
O cantor Fagner ajudou a consolidar esta nova sonoridade brasileira com o sucesso da canção “Canteiros” e a inserção da versão de “Serafim e seus Filhos” feita por Ruy Maurity e Trio em trilhas sonoras globais só elevou a popularidade do estilo que, se não tinha álbuns específicos voltados a ele, podia se gabar de haver uma extensa gama de compositores que abusavam de suas fórmulas. Até mesmo Raul Seixas se arriscaria no rock rural com as músicas “Ouro de Tolo” e “Capim Guiné”.
No limiar da década de 70, novas bandas apareceram investindo nesta sonoridade. O “Boca Livre” era um grupo vocal que tinha em seu primeiro lançamento, auto-intitulado, lançado em 1979, um dos expoentes máximos do rock rural. Canções como “Toada” (um verdadeiro hino do rock rural), “Quem Tem A Viola”, “Mistérios”, “Diana” e “Feito Mistério” são verdadeiras pérolas que adentraram os anos 80 e junto com alguns clássicos do 14 Bis (como “Bola de Meia, Bola de Gude”, “Linda Juventude” e “Todo Azul do Mar”) criaram uma gama consistente de sucessos rurais no início dos anos 1980.
O Hard Rock No Brasil dos anos 1970
Infelizmente, o heavy metal, apesar de ter iniciado sua saga no início da década de setenta, demorou pelos menos uma década para ver uma cena forte e consolidada no Brasil. No meio de toda a mistura que existia no rock nacional entre 1968 e 1972, o som de guitarra, baixo, voz e bateria puro e simples se tornou equivalente ao rock pesado apresentado na Europa por nomes como Black Sabbath, Deep Purple e Led Zeppelin, e o Grand Funk Railroad nos Estados Unidos.
Sendo assim, o rock básico e visceral das bandas nacionais era o que havia de mais pesado naqueles dias e era administrado em doses homeopáticas em músicas de álbuns multifacetados. Como no caso do Mutantes, que esbarraram no heavy rock com a pesadíssima “A Hora e a Vez do Cabelo Nascer”, do álbum “Mutantes e Seus Cometas no País do Baurets”, de 1972.
Dois anos antes, o grupo Bango (outrora dedicado à Jovem Guarda e conhecido como Os Canibais) lançou um disco auto-intitulado que esboçava algo do hard rock, mas estava mais para a psicodelia de Woodstock, e o Assim Assado, banda que imitava o Secos e Molhados e trazia membros d’Os Brazões, tinham nuances de Black Sabbath em “Na Boca da Estrada”. Até o Pholhas, em seu brilhante disco em português de 1977, emulava Deep Purple e Uriah Heep na visceral “Somente Rock n Roll”.
Talvez, quem mais se aproximou da sonoridade das bandas internacionais de classic rock de forma integral, foi o grupo O Peso, com seu único e obrigatório álbum “Em Busca do Tempo Perdido” (1975), que trazia blues, baladas, além de muitas guitarras e vozes “zeppelinias”. O vocalista Luís Carlos Porto soava como um Rod Stewart tupiniquim e o guitarrista americano Gabriel O’Meara desfila riffs versáteis que dão a tônica do disco, lembrando a classe de Mick Ralphs.
O Casa das Máquinas já havia se enveredado pela MPB e pelo progressivo, sendo assim, seu último álbum foi uma verdadeira ode ao rock n’ roll. Até por isso, “Casa de Rock” (1976) foi um dos álbuns mais pesados lançados na época. Mas o som visceral natural do rock n’ roll só foi consolidado em 1974, com o lançamento do primeiro álbum do Made In Brazil. Formado no fim dos anos 60 pelos irmão Vecchione, o Made In Brazil teve uma discografia que se tornou canônica para o rock nacional (o primeiro álbum, conhecido como “disco da banana”, é um dos mais importantes registros do rock setentista no Brasil) cravando clássicos como “Anjo da Guarda”, “Paulicéia Desvairada” e “Jack, O Estripador”.
Outros nomes foram importantes na formatação deste puro rock n’ roll nacional. O Bicho da Seda, que lançou apenas um álbum em 1975, fez história no cenário nacional, sendo lembrado até os dias de hoje apesar do solitário lançamento. O grupa gaúcho A Bolha teve dois ótimos álbuns em meados dos anos 70, com destaque para o disco “É Proibido Fumar” que tem momentos de dar gosto a fãs de Deep Purple e Uriah Heep.
Já no fim daquela década a Patrulha do Espaço, que se originou com banda de apoio de Arnaldo Baptista (ex-Mutantes), após entrada de Percy Weiss, gravou o primeiro disco de rock independente do país e abriu o show do Van Halen em 1983. O primeiro álbum do grupo é um clássico e traz pérolas como “Arrepiado” e “Vamos Curtir Uma Juntos”.
Não podemos deixar de citar a banda Santa Gang que fazia um rock n’ roll sincero e de extrema qualidade (mas que não passou de um single histórico); o Joelho de Porco, cuja originalidade excedia o comum; e o grupo curitibano Blindagem, que deu início ao hard/glam oitentista em nossas terras, antevendo, em 1981, um estilo que só se consolidaria à partir de 1985.
Somente em 1982 o Stress inauguraria o heavy metal nacional com seu primeiro disco apresentando um heavy/speed metal liderado pelo baixo e pelo vocal do lendário Roosevelt “Bala” Cavalcante.
A gênese do punk rock nacional
Tudo bem que os grandes lançamentos do punk rock nacional ganharam vida após o período que compreende nossa era dourada do rock nacional, mas sua gênese está no fim dos anos 1970 e começo dos anos 1980. O movimento punk brasileiro se inciou com o grupo Restos de Nada, no longínquo ano de 1978. O curioso é que a banda não conhecia o termo que batizava sua sonoridade, mas ao se deparar com a cena estrangeira se identificara de imediato. No grupo estavam dois personagens emblemáticos para o punk rock nacional: o baixista Clemente e o vocalista Ariel. Apesar do precoce encerramento das atividades, o grupo foi de uma influência ímpar para o estilo no Brasil.
À partir de 1979 as bandas com filosofia punk invadiram o rock nacional, principalmente no eixo Brasília-São Paulo, com grupos seminais como o Cólera (não deixe de conferir o clássico “Pela Paz em Todo o Mundo”), Olho Seco (ouça o álbum “Botas, Fuzis e Capacetes”), Garotos Podres, AI-5, Ratos de Porão (que ganhava vida no início dos ano 80 e se tornaria um dos maiores nomes do rock nacional de um modo geral, inclusive, o antológico álbum “Crucificados Pelo Sistema” foi o primeiro lançamento punk brasileiro que trazia apenas uma banda) e o Inocentes (banda de Clemente).
Porém, o primeiro lançamento do gênero seria encabeçado pelas bandas Inocentes, Olho Seco e Cólera, na coletânea “Grito Suburbano”, um disco em 45 rpm que trazia quatro faixas de cada banda. Este marco foi lançado no ano de 1982, o auge de “popularidade” do punk brasileiro, com a cena efervescente sendo registrada nos mais diversos meios de comunicação do país.
Ao mesmo tempo em que o punk nascia na selva de pedra paulista, no Planalto Central, bandas como o Aborto Elétrico, Blitx69, Plebe Rude e Detrito Federal (banda responsável pelo primeiro lançamento genuinamente punk de uma banda de Brasília, isso em 1985) começavam a nascer e gestavam uma cena que faria história no decorrer daquela década.
Conclusão
Não quero, com o texto exposto, dizer que nada feito no rock nacional, posteriormente ao ano de 1982, é ruim. Longe disso. Bandas como o Barão Vermelho, Paralamas do Sucesso, Titãs, Nenhum de Nós, Engenheiros do Hawaii, Golpe de Estado, Dr. Sin e nomes como Lulu Santos e Lobão, fizeram trabalhos relevante.
O único aspecto danoso neste cenário à partir de 1982 foi a impressão, causada pela grande exposição da mídia, de que o rock nacional nasceu em 1982, com o lançamento do primeiro álbum da Blitz. O maior intuito deste artigo é apenas mostrar que existe um rock nacional muito antes destas bandas que se esbaldaram em um ambiente midiático já desbravado pelo esforço de “bandeirantes do rock nacional” que elevavam suas músicas a um altíssimo nível.
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